terça-feira, 6 de setembro de 2022

Poesia e cura

 


Cobre o peito com a mão 

Se te devora um poema 

Não demora te descobres 

Tua alma de pareia 


Mente ao sono que escracha

De antena, camioneta 

Fica o cheiro de borracha 

Pesadelo de boneca 


Desprende a culpa 

Joga alto uma moeda 

Sopra o vento da biruta 

Solta o braço que te aperta 


Renasce da poeira 

Que a estrada te cuspiu 

Te veste de poema 

Acorda o sonho que insurgiu 

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Do meu desejo.

Não, meu bem, a revolta acabou.
Os anos vêm correndo baixo, sorrateiramente mansos, afirmando que se passou.
Já sobra poucos trocados do que disseram que sou.
Não há ira, há cansaço. Meus pais em apuros, o muro que racha...
Sou peça de teatro, sou bêbado da praça.
Tudo bem, nada do que eu faça muda o que eu vejo
Mas fecho os olhos e, aqui dentro, um desejo: voar num par de asas.

Um sopro trouxe esta folha pra ti.

Eu perguntei ao cara de barba branca
Quais as vaidades da terra

Perguntei se era bom enriquecer uma larva gorda
Quis saber dos homens de bata se não sentiam prazer consigo mesmos
E sobre aquele cusco magro revirando o lixo que você atirou da varanda

Não há vestígios de paz
Será que existiu?
E as cápsulas da solidão, que fazem bem a mim, ecoam o silêncio 
do lado bom, que há tempo se consumiu.

Perguntei ao cara de barba branca
Por quantos outonos ia perdurar
Este, nada disse, mas soprou folhas sobre minha face
Como se susurrasse uma cantiga de infância
esticasse a esperança, fizesse-me respirar fundo e, a mim, sem causa nem culpa, quisesse perdoar.


 

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A dor existe.


E a dor volta a querer passar.
O estômago parece virar do avesso e morder as paredes do meu corpo.  
Sinto os músculos inflamados.
Calafrios persistentes. Abstinência.
Me encolho em posição fetal. Junto as mãos, rezo.
Rezo para que algo aconteça.
Para que me salvem.
Para que a dor não morra, mas que seja substituída por outra. 
Que os calafrios sejam outros.
Que não haja tempo para abstinência
Que não haja espaço para mais um verso.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Dos ausentes e dos contentes.

São essas falas apáticas
Os espelhos, os arranjos de flores plásticas
Essa extrema noção de espaço
Contando a distância milenar, longe dos teus braços.

Uma intravenosa de soro cáustico
Desfilam nos pescoços, suásticas de agouro
Do retalho do pano
Do nosso amor, a lástima.

Compassos genéricos
Méritos que já passei adiante
Ao longe dos que sentem
do máximo, o pouco
Sobra o oco dos contentes
E a saudade daqueles que não foram.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Não me caracterizo como um ser escapo das articulações estéreis do pensar.

Mas me sinto, de fato, liberta em epigramas frágeis, como se

cada palavra acariciasse meus sentidos mais íntimos.

Como se minhas mãos arrancassem do peito força e fraqueza e liberasse num

sulco ácido as inflamações sentimentais.

Arranco de mim o que dói, o que pulsa e irriga as artérias afluentes do

imaginário.

E é nessa fusão que acolho meu ser, que recolho meus pés

e me embalo na cadeira do pensamento.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Buscando erros nos acertos.

Hoje chegarei em casa mais cedo.
Ausentei-me das estradas e o desejo
de calcar uma espada nesse objeto sem nome
se tornou consulente da minha calma.
Fecharei as cortinas e embrulharei o peso desse medo num papel de carta.
E nas palavras, plumas de aves celebrarão o perdão para cada rabisco arrependido.
Volto porque preciso asfixiar o pensamento, que solto,
se emaranha em galhos de árvores pela rua.
Volto porque não quero deixar de voltar sempre.
A presença espirituosa da escolha e a desordem
desmamam meu ego e me apego a tudo o que não sei
se sou, mas vou sedento em busca de explicações
para mais uma vez, não voltar.

Adeus.

A verdade é que eu cansei.

Cansei, cansei.
Danem-se os bons modos.
Pode ir embora ou pode continuar com essa verborreia
asmática ensurdecedora. Pouco me importo.
Foste cedo mas voltaste demasiado tarde.
Gozei do seu esperma de desilusões o suficiente e
hoje meu único prazer é em ver você ir embora,
arrependido.
Já dei adeus àquela vida insalubre na qual você me meteu
e, sinceramente, estou muito bem.
Veja, até o nosso gato, que ficou dias miando desconsolado
quando você foi embora,
hoje foi ríspido e impiedoso com você.
E por que haveria eu de
confrontar essa antipatia dele?
Jamais. Ele é como um filho e você o
abandonou, nos abandonou.
Me admiro pelo entorpecimento com que me olhas.
Não ouse chamar isso de amor, pois quando sentires
isso por ti mesmo, não precisarás fantasiar cenicamente.
Fizeste, por certo, um aborto do teu próprio caráter
e vem até aqui para que eu pulverize o meu.
Lamento, são onze horas da noite e, inevitavelmente, tenho que
despejá-lo da minha sala.
Adeus.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A canção que jamais farei.

Eu tentei te fazer uma canção, mas não.

Não, não. Pra que alguém precisa de uma canção?
Um dia, provavelmente, não estaremos mais juntos
e a canção, que era para você,
acabará sendo um hino de solidão para mim...
Não, sem canções.
Ou imagine então, se esta for tão bela que
aches digna de cantar para outra que venha a me substituir?
Me sentiria traída. Pior do que isso,
me sentiria um palhacinho de circo com bolinha vermelha no nariz e tudo.
Já disse, não farei canção alguma.
Pare com isso, vamos, se quiser te dou aquele sapato que
tanto gostou esses dias mas achou caro. Mas não me
peça canção.
O que? Acha que estou sendo egoísta?
Egoísta é você! Aliás, você tem me decepcionado muito
nos últimos tempos. É, estou cansada de atender a todos
os seus pedidos. E eu? E os meus desejos?
Ora, me deixe sozinha, depois conversamos.
A propósito, onde está aquele disco que gosto de ouvir
quando estou triste? É, estou triste, você me deixou triste. Agora
preciso escutar meu disco e fumar um cigarro. Talvez eu chore, mas acho que não.
O que? Colocou meu disco favorito no lixo?
Não posso acreditar que fez isso!
E ainda queres que eu te faça uma canção?